Há
aqueles a quem a convocação de um Ano da Fé pelo Papa Bento XVI cause
estranheza. Qual a razão de ser desta iniciativa? Que sentido tem
celebrar a fé, numa comemoração tão sugestiva como a celebração da
abertura do Concílio Vaticano II e da publicação do Catecismo da Igreja
Católica?
As
razões que levaram o Papa a tomar esta iniciativa nós a encontramos na
Carta Apostólica Porta Fidei, que o Bento XVI publicou há precisamente
um ano, ou seja, aos onze de outubro de dois mil e onze.
Já
no início, o Papa diz que hoje há a “necessidade de redescobrir o
caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e
o renovado entusiasmo do encontro com Cristo” (n.2). Mais adiante ele
afirma que “o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada
conversão ao Senhor, único Salvador do mundo” (n.6).
Falando
da necessidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado, Bento XVI diz
que é necessário “que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer
melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre” (n.8). Ele
espera que “este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé
plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança” (n.9).
Assim,
“descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e
rezada, e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso
que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano” (n.9).
Ao
final, ele afirma que a fé “solícita em identificar os sinais dos
tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal
vivo da presença do Ressuscitado no mundo.” Pois, “aquilo de que o
mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de
quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são
capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e
da vida verdadeira, aquela que não tem fim” (n.15).
As
palavras do Papa Bento XVI na Carta Porta Fidei, levam a Igreja a
manter-se coerente com os caminhos apontados pelo Concílio Vaticano II e
compendiados no Catecismo da Igreja Católica, ou seja, a convencer-se
sempre mais que só iluminada e sustentada pela fé no Senhor Ressuscitado
é que ela, a Igreja, pode manter-se fiel ao Evangelho.
Lendo
a Carta Porta Fidei, somos levados a considerar a afirmação do Apóstolo
São Paulo na sua Carta aos Romanos: “Mas como poderiam invocar aquele
em quem não creram? E como poderiam crer naquele que não ouviram? E como
poderiam ouvir sem pregador? E como podem pregar se não forem enviados?
Conforme está escrito: Quão maravilhosos os pés dos que anunciam boas
notícias” (Rm 10,14-15).
Lançar-se
hoje na tarefa evangelizadora sem avaliar a própria fé seria, de certo,
temeridade. A ação evangelizadora, pastoral e missionária da Igreja só
alcança o seu objetivo se for alimentada por uma vida de fé profunda,
por uma fé que informa a vida.
O
Papa está justamente chamando a Igreja, em primeiro lugar, a um exame
de consciência e a uma retomada de posição diante do mundo, sustentada
pela fé. O próprio São Paulo escrevendo aos coríntios dizia: “tendo o
mesmo espírito de fé a respeito do qual está escrito: Acreditei, por
isso falei, cremos também nós, e por isto falamos” (2Cor 4,13). É a fé
que gera a pregação! Se nos falta a fé, nos falta o entusiasmo e
facilmente deixamo-nos envolver pelas malhas do cansaço e do desânimo.
Torna-se
urgente para a Igreja hoje, no dizer do Papa Bento XVI, redescobrir a
fé; pois é a fé que gera e capacita as testemunhas de que o mundo hoje
tem imensa necessidade!
O
Papa diz que não podemos dar a fé como pressuposto (n.2), como algo que
já existe e deve ser apenas incrementado. Não! Hoje, o mundo vive uma
crise de fé, que leva as pessoas não só a negar a fé, mas também
despreza-la. É necessário redescobri-la e, isso é tarefa de cada um! É
tarefa que implica decisão, escolha, e testemunho. Uma decisão e escolha
que ninguém poderá tomar em nosso lugar e, testemunho que cabe a cada
um assumir e realizar.
A
fé, ainda, implica conhecimento, ou seja, é um caminho que deve
levar-nos a aprofundar sempre mais as verdades reveladas, contidas na
Palavra de Deus, na Tradição da Igreja e explicitadas pelo Magistério.
Ilude-se quem acredita que a fé resume-se a um sentimento pessoal de
confiança e proteção. A fé vai além, ela exige conhecimento,
aprofundamento, compreensão sempre maior e consequentemente testemunho
de vida sempre mais coerente! (n.10)
Bento
XVI diz que a fé não pode ficar reduzida à esfera do privado, ao âmbito
das decisões pessoais, mas deve, ao contrário, manifestar-se
publicamente, nas decisões que interfiram nos relacionamentos pessoais e
comunitários e nas decisões políticas, onde a vida e o bem comum estão
em jogo.
Acolher
o convite do Papa Bento XVI, a “procurar a fé” (cf. 2Tm 2,22), nas
comemorações dos cinquenta anos da abertura do Concílio Vaticano II e
nos vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, creio que é
uma atitude profundamente coerente com o momento que vivemos e, ao
mesmo tempo, com a herança que recebemos seja do Concílio como do
Magistério recente da Igreja.
Se
num primeiro momento pode causar estranheza, podemos dizer que ao
final, abrir-se e aprofundar-se na fé torna-se uma experiência de
profunda alegria e renovação, capaz de nos levar a ser mais
autenticamente testemunhas de Jesus Cristo ressuscitado no mundo e no
tempo que vivemos!
Dom Milton Kenan Júnior / Bispo Auxiliar de São Paulo/SP
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