Abaixo
está publicada a mais angustiante lamentação de Padre Pio, encontrada
em uma carta enviada ao Padre Benedetto e ao Padre Agostino, comprovando
o sofrimento espiritual que o dominava, associado ao temor de não
cumprir plenamente a vontade de Deus.
San Giovanni Rotondo, 19 de junho de 1918.
Invoco
a reunião de todos os poderes dispersos da alma, para expor, se for
possível, nesta carta todo o martírio interior que sente a minha alma
privada de seu Bem.
Ai
de mim!... Ó céus!... Onde está a minha vida? O sol olha-me
indiferentemente, de surpresa, prostra-me e me assusta; sem outro
refúgio onde me ocultar, se fosse possível, de mim mesmo, peço
instintivamente ao justo Senhor enraivecido comigo: gostaria de
ocultar-me de todos, pois me parece que as próprias criaturas inanimadas
leem em minha testa a minha condenação, a minha reprovação, a minha
vista tão vergonhosa.
Ó
céus!... Ó vida!... Que impressão dou?!... E não sabeis que sem vós não
possuo existência, e não posso mais viver sem morrer?! Ó meu pai [1],
só dominando a minha alma, fechando-a no silêncio a quem quer que seja,
somente me ocultando das criaturas consigo de alguma maneira não ruminar
sobre o meu martírio interno.
Abrindo
o execrado livro, aparecendo diante das criaturas, vem à tona o eco dos
agudos gritos da opressora necessidade de Deus e os clamores da
insistente insônia e do jejum dEle.
Penso
neste meu resvalar, sem querer, temo e tremo que os meus gritos e
loucuras sejam prejuízo para a uniformidade requerida pelo divino querer
e também para a obediência. É por isso que, não conseguindo deter a
vertiginosa corrida que vai para onde eu não queria, a minha exposição
redobra o martírio dos meus sofrimentos e das minhas necessidades.
Aborreço-me
em tal trabalho e sou tentado a destruir este meu escrito, sem que
chegue ao senhor [2] notícia alguma. A indignidade desta criatura, a sua
dureza de cerviz, a rejeição que Deus lhe dirigiu não merecem nenhum
socorro nem direção.
Tudo
é devorado por uma força oculta que se consuma depois do instantâneo
alívio, ou depois de simples e fugaz despertar; assim, a preciosidade do
conselho e da direção dissipa-se com aumento do dano, pela prestação de
contas que lhes pedirá o Senhor.
Ó
meu pai [3], não abandone esta alma ingrata a seu Deus; não rejeite
este cego que destruiu as santas alegrias por não se apascentar, não se
alimentar a não ser do que era imundo! Ó Deus, coloquei-me a olhar isso
e, diante de tal visão horrenda, tremo! Busco, meu pai [4], pelo fosco
precipício no qual me vejo rolar, e, se alguma vez parece-me subi-lo,
não sei, e não o encontro nem o subo, e os meus braços cansados recaem
em abatimento, o vão agitar-se da alma na busca de seu bem, que
tormento, que cruel martírio, que inferno é para a pobrezinha.
Onde
devo encontrar o meu Deus? Onde pousar este pobre coração que sinto
como se arrebentasse o peito? Busco-o com constância, mas não o
encontro; bato no coração do divino prisioneiro e não me atende. O que é
isso? A minha infidelidade tornou-o tão duro? Poderei esperar
misericórdia e que ele, enfim, escute os meus clamores, ou devo
renunciar a essa esperança? Ó Deus, que a minha horrorosa obstinação
seja, enfim, suprimida. Meu bem! Que eu vos ame, enfim, com aquele amor
que vós me pedis; que eu torne a vós, enfim, nesta trabalhosa e aflitiva
busca.
Meu
pai [5], nu e esquálido é o meu espírito; este coração é árido e seco
para o seu Deus, aqueles não dão quase movimento para este que, de sua
bondade, os criou. Não tenho mais fé: estou impotente para levantar-me
nas felizes asas da esperança, virtude tão necessária para o abandono em
Deus, quando o auge da tempestade se enfurece e a transbordante medida
de minha miséria me comprime. Não tenho caridade. Ah! Amar ao meu Deus é
consequência daquilo que é conhecimento pleno, na fé operante, e das
promessas nas quais a alma mergulha, recriando-se, abandona-se e repousa
ainda na doce esperança. Não tenho caridade pelo próximo, pois esta é
consequência daquela; faltando a primeira, da qual o suco vital desce
aos ramos, todo ramo perece.
Sim,
sou privado de tudo, ó pai [6], até mesmo da larva da virtude, a ponto
de parecer-me um estado de tepidez fatal, pelo qual justamente Deus vai
cada vez mais me rejeitando de seu coração. Eu percebo que a minha ruína
é irreparável, pois não vejo maneira de sair dela. Ai de mim! Perdi
toda a estrada, todo o caminho, todo o apoio, toda a regra: e, se tento
despertar a minha memória apagada, a misteriosa dispersão tem lugar, e
me encontro mais perdido, mais impotente e mais obscuro do que antes,
mais impotente para me levantar, e a misteriosa escuridão torna-se mais
densa.
Meu
Deus, por que se agita e se tortura, agita-se ainda mais uma vez e se
transtorna com tal violência esta entristecida alma, esta alma já
aniquilada e cujo aniquilamento diz-se movido, causado, querido por
vosso comando e permissão?
Oh!
Meu pai [7], o senhor que sabe dele, diga-me, peço-lhe, e não me
reproche a minha dispersão, a minha ânsia, o meu errar em busca dele;
não me reproche pela falta de abandono deste espírito, que clama o pouso
mais cego e humilde no divino consentimento, diga-me, por caridade:
onde está o meu Deus? Onde posso encontrá-lo? O que devo fazer para ir à
busca dEle? Diga-me: encontrá-lo-ei? Diga-me: onde devo pousar este meu
coração que está extremamente doente de morte e que, instintivamente,
sinto sempre em uma contínua busca trabalhosa e penosa?
Ó
Deus, ó Deus, dizer outra coisa não posso: por que me abandonastes?
Este espírito, justamente percorrido pela vossa divina justiça, jaz em
uma veemente contradição, sem nenhum recurso ou notícia, exceto pelos
fugazes clarões, atos que aguçam a pena e o martírio. Sinto-me morrer,
queimo de aridez, torno-me lânguido de fome, mas parece-me que a fome já
vai se restringindo à ânsia de uniformidade aos divinos quereres, da
maneira que ele quer.
Como,
pois, se me sinto sempre tão agitado, tão irrequieto, torna-se para mim
torturante a minha insônia e a falta de abandono, a tortura do abalo, a
falta de entendimento para compreender tal querer divino? Nenhuma
asseguração consegue insinuar-se no espírito cerrado, salvo o fulminante
instante no qual passa e voa a notícia, para solicitar, pois, outra
fome e sede e necessidade de Deus.
Mas
fiat [8], eu repito sempre, e outra coisa não desejo além do
cumprimento exato deste fiat, justamente da maneira que ele o requer
generoso e forte. Oh!, pai [9], eu lhe peço o assíduo socorro da sua
oração, pois me vejo a ponto de ser esmagado, sufocado e afogado sob tão
dura prova. Vejo o inferno aberto sob os meus pés, ou melhor, já desci:
estou a ponto de naufragar.
Apenas
o temor de ofender a Deus novamente me faz estremecer, assunta e faz
agonizar. Eu temo pelo meu coração, infelizmente ignorante do verdadeiro
mal. A férrea intenção leva a obedecer às cegas; mas temo por alguma
surpresa de meu coração, que não se deixe levar pela ignorância de minha
vontade abatida; sofro, por isso, penas de morte na dúvida de
transgredir ao comando da obediência e desagradar, minimamente, ao meu
Deus.
Meu
Deus! Até quando deverei permanecer nesta época sanguinolenta? O meu
estado é simplesmente desesperador: o homem animal se manifesta em toda a
sua realidade abominável: sinto compaixão de minha excessiva miséria.
Meu
pai [10], quando acabará essa atroz carnificina? Parece-me que foi
retirada toda a beleza da graça da alma; sem esse ornamento tão
necessário, apenas com a própria capacidade, aproxima-se do nível dos
brutos.
Tal conhecimento apresenta-se para mim ao vivo, com todo o aparato das tendências e atentados.
Meu
Deus, dai-me as penas e a força para saber sofrer, e sofrer com amor,
para a punição das minhas culpa. E aqui, pai, parece-me faltar a
contrição. O homem velho reina soberbo e não cede nem quer cair; nenhum
esforço parece-me suficiente para dominar esta soberba que resiste até
parecer-me que venceu.
Eu
me reconheço em tal ruína e choro, sem encontrar energia suficiente
para humilhar tanta arrogância. A vontade está em seu pleno desgosto e
não sabe ou não quer dar força ao espírito para pronunciar, como se
deve, o fiat do rejeitado.
O
que é tudo isso? Sinto-me esmagado moral e fisicamente; e parece-me não
percebê-lo em todo o seu aparato aterrorizante na explicação do meu
ministério.
Tão
maltratado, assediado, tedioso, suspirando me aproximo do altar com
desgosto e repugnância pela veemência que me acompanha – monstruosidade e
feiura. O que acontece naquele horrível entretempo que estou no altar
não consigo dizer, pois a alma o sente sem percebê-lo.
Como?
Não pode estar aqui um beijo sacrílego, quando a vida sente-se
suspirosa e sangrenta, e a essência vital dá indício da verdadeira
condenação? Na maioria das vezes, não saberia dizer-lhe se estou longe
ou não da nobreza do ato; a apatia parece acompanhar-me antes e
alegrar-me depois.
Ó
Deus! Se eu tivesse pensado nisso naquele instante, a vida cederia. Um
só sinal bastou em outros tempos para me fazer curvar-me sobre o altar. O
sono letárgico, que se formava na impotência completa, era sempre muito
atormentado e quase sempre seguido pela impetuosidade dos esforços,
pela completa ligação entre os sentidos internos e externos do corpo.
Temo
enganar-me, manifestando por verdade aquilo que poderia não ser. Meu
pai [11], confio no senhor, para que a minha alma não se alimente de
verdadeiras ilusões.
Termino,
mas com tanta pena e remorso!... é bom que se cale o ínfimo, o
degradante, o desprezível, e eu devo me calar. Para que tantas
reclamações, se a justiça de Deus, que é justa, santa e bem apropriada,
me atingiu?
Frei Pio, capuchinho.
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